VJMJ
Roberto
Ambrosio
E
éramos, eu e minha turma, ensinados a colocar o VJMJ em nossos cadernos, a cada
início de dia, de tarefa. Não sei dos outros, mas eu colocava automaticamente,
nunca as letras e seus significados fizeram sentido pra mim. Assim também as
margens eram de 1,5
centímetros , e a cidade, São Paulo, colocada todos os
dias antes da data. Isso sim fazia sentido, afinal, era importante que todos os
dias soubéssemos onde nos encontrávamos.
Também
havia as regras, eram umas doze, anotadas no primeiro dia de aula, na primeira
página do tal caderno e iam desde não mascar chicletes na aula (os chicletes já
eram um problema social então), até respeitar os professores.
Compreendo
hoje que para educar é preciso reprimir, estabelecer limites, e que isso pode e
deve ser feito de forma clara, carinhosa, afinal, reprimir não tem nada a
ver com maltratar. Quando fui aluno nesse colégio eu sabia exatamente meu
papel. Eu era aluno. Os professores eram professores. O reitor era reitor.
A
mim cabia cumprir horários, aprender, fazer as tarefas propostas e mostrar o
que havia aprendido. Os professores cumpriam seu horário, ensinavam coisas que
eu não sabia, avaliavam, elogiavam publicamente, davam broncas quando não
aprendíamos, seja por não compreendermos algum conceito, seja porque não queríamos,
por desinteresse ou vagabundagem mesmo. O reitor observava, caminhava entre
nós, sabia o nome de todos, perguntava nossas notas, de nossos pais, do
placar do futebol de salão, ralhava com nossos uniformes mal vestidos, com
palavrões e com cigarro.
Havia
uma reunião de pais e mestres. Nelas éramos colocados frente a frente com nosso
pai ou mãe e nossos professores e tínhamos que ouvir elogios e repreensões. Era
de fato,uma reunião de pais, mestres e alunos. Um necessário acerto de contas.
Após a reunião os professores nos deixavam e voltávamos pra casa onde os pais
fariam o seu papel de pais. Surras, broncas, acordos, elogios, presentes. A
escola não tinha nada com isso. Esse era o território de cada casa, de cada
cultura diversa em seus rituais e costumes.
Essas
recordações me vieram à mente porque tenho me perguntado como será o futuro de
pais, crianças, escolas e professores. Hoje ninguém sabe se ensina ou educa.
Pais e professores não sabem mais qual é o seu papel. Reprimir (educar) virou
palavrão, os pais não querem que os filhos sejam contrariados em suas vontades.
Os professores sabem pouco, e o pouco que sabem é menos interessante do que o
conteúdo que as crianças acessam nas redes sociais.
Uma
vez, o amigo Mitsugui e eu tivemos a idéia de imprimir um jornal para
falar das turmas do ginásio. Arrumamos um mimeógrafo, folhas, datilografamos
poemas, piadas, fofocas, apelidos impiedosos, resultados do torneio
interclasses e pronto. Estava feito. Mas…e o nome? Depois de um breve
brainstorm, lá veio: Pôrra!! Assim, com acento e exclamação. Animados
fomos ao professor responsável por avaliar nossa iniciativa e mostramos o
Pôrra, ou a Pôrra, não sabíamos bem.
Tomamos
um sermão de meia hora sobre as falhas de diagramação, os erros de português,
as gírias excessivas e a ordem das coisas (priMEIro o Guilherme de Almeida,
dePOIS a coluna de fofocas e apelidos!). Ele exigiu duas páginas para seu
editorial e impugnou o nome.
Pôrra
não. Uma hora de negociação, ele levou uma página de editorial, que sempre assinou
com o pseudônimo Ijomar (e que todo mundo sabia ser do Irmão José Martinez),
mas conseguimos sair com o nome Pô! Com acento, exclamação e sem o rra…
Hoje
percebo a aula de convivência, negociação, flexibilidade e por que não dizer
bom gosto, que ele nos deu. Nossa vontade prevaleceu, o Pô! circulou por dois
anos com sucesso, mas aprendemos o papel da autoridade, do aluno, do professor,
dos pais e da escola. Aprendemos que lutar pelo que se quer tem mais valor do
que receber as coisas de mão beijada. Aprendemos que poderíamos ser tratados
como iguais, mas quenão éramos iguais e ter certeza disso foi, pra mim,
naquele dia, num tempo entre a infância e a adolescência, um conforto e uma
alegria.
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Texto
publicado com autorização do autor.
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