Pesquisa revela insatisfação com excesso de teoria e falta de prática do
atual modelo de ensino
Estudo da Fundação Lemann mostra como jovens e professores enxergam a
educação no Brasil
POR RAPHAEL KAPA
15/06/2015
- 6:00 / ATUALIZADO 15/06/2015 9:56
Olhando para frente: Karina Madruga
saiu de um colégio focado em conteúdo para estudar em um outro que valoriza o
desenvolvimento de habilidades socioemocionais - Agência O Globo /
Hudson Pontes
RIO - O atual modelo de ensino no Brasil não prepara os jovens para a
vida. Há excesso de conteúdo, e pouco espaço para desenvolver habilidades que
permitam a eles usar o conhecimento em atividades práticas. É desta forma que o
jovem vê o ensino básico no Brasil, segundo a pesquisa Projetos de Vida, feita
pela Fundação Lemann, com o objetivo de contribuir para as discussões de
reforma do currículo em andamento na construção da Base Nacional Comum (BNC). A
visão negativa aparece não apenas no depoimento dos que acabaram de entrar na
faculdade. Ela também é compartilhada por especialistas, professores
universitários, empregadores e ONGs. Ou seja, todos concordam que o atual
modelo não prepara os jovens para a vida. Há excesso de conteúdo e pouco espaço
para desenvolver habilidades.
— A sociedade espera que os jovens sejam capazes de aplicar os
conhecimentos aprendidos na escola em situações reais. Na universidade,
professores esperam que os jovens consigam, por exemplo, articular suas
opiniões e se expressar com clareza para defender um argumento em sala — afirma
Camila Pereira, diretora de Políticas Educacionais da fundação. — Um jovem no
seu primeiro emprego quer usar seus conhecimentos de matemática para
interpretar gráficos e tabelas. A sociedade espera que os jovens saiam da
escola tendo desenvolvido uma série de habilidades, não tendo aprendido apenas
uma lista de conteúdos.
O levantamento foi feito a partir de 126 entrevistas em profundidade com
jovens, empregadores, professores universitários, especialistas e ONGs.
Os próprios estudantes afirmaram que sentiram deficiências em suas
formações. Além do entendimento de que a escola não forma o jovem para a vida,
outras conclusões da pesquisa são a percepção de que a escola usa métodos
atrasados e inadequados. Apareceu também, principalmente por parte de
empregadores e professores, a demanda por habilidades socioemocionais, como
foco, persistência, autonomia e curiosidade.
A pesquisa entrevistou jovens com boas notas no Enem. Foram eles que
afirmaram que a escola não prepara, não traz autonomia e não faz com que o
aluno descubra suas aptidões. Como contraponto, pedem aulas mais dinâmicas,
exemplos práticos e professores que troquem experiência sobre o que acontece
após a entrega do diploma.
Karina Madruga, de 17 anos, já viveu entre os dois mundos. Ela reclama
que seu antigo colégio era conteudista e que tudo se resumia a testes e provas.
Atualmente no 2º ano do ensino médio da Escola Estadual Chico Anysio,
considerada uma unidade de referência no Rio, a aluna afirma que a educação
pode ser diferente.
— Num todo, a escola é atrasada, mas há exceções. Já estudei em um
colégio cujo único objetivo era ter uma boa nota na prova. Hoje, vejo que o
colégio pode ser um lugar para o desenvolvimento de habilidades positivas como
o trabalho em equipe, a iniciativa e a busca pelo conhecimento. Isso tudo sem
ser estimulada uma competição como nas escolas tradicionais — afirma Karina,
que sonha em cursar Direito na Uerj e ter seu próprio escritório.
PARA FACULDADES, POSTURA É MAIS IMPORTANTE
Esse desenvolvimento de habilidades é visto como fundamental para
professores universitários e empregadores. Falta de entendimento de instruções,
dificuldades para se expressar e medo de repreensão são três das dificuldades
vistas no jovem formado quando vai para a faculdade ou está em seu primeiro
trabalho, de acordo com o levantamento.
— Penso que a escola tem que ser um local onde o aluno tenha uma
formação boa em conteúdo, mas também crie e aprimore competências. Ele deve
começar a desenvolver autonomia, comprometimento, proatividade e trabalho em
equipe nesse período. Não é para ele se formar e já ser excelente nessas
habilidades, mas não pode ser algo que começa do zero — afirma Jacqueline
Resch, diretora da consultoria Resch, especializada em recrutamento, que a
pedido do GLOBO comentou os resultados da pesquisa.
A situação no ensino superior também não é favorável para o atual aluno
oriundo do ensino básico. Na pesquisa, os professores universitários afirmaram
que o estudante precisa ser proativo e se antecipar às ordens, além de executar
as tarefas de forma adequada. Para eles, a postura é mais importante do que o
conhecimento específico.
Henrique Neto, chefe do Centro de Graduação da Fundação Getúlio Vargas,
concorda com o diagnóstico da pesquisa:
— O colégio prepara o aluno para fazer o Enem e não para ver o mundo.
Muitas vezes é dada para a universidade a responsabilidade de realfabetizar o
aluno. A formação tem que pensar na autonomia, na resiliência, na ética. Temos
que voltar à pergunta principal: ensinar o quê? Esta discussão precisa ser
feita pela sociedade para que o aluno formado possa ser um profissional e um
cidadão melhor.
Foi nesta perspectiva que a pesquisa entrevistou ONGs para saber o que
falta na formação dos jovens para que sejam cidadãos mais atuantes.
— O colégio tem que ser mais formativo, se pautar em valores. A escola
de hoje não oferece isso, mas não é culpa dela. É do modelo. Ele está voltado
para um saber acadêmico direcionado a uma escola que era só para as elites. A
sociedade mudou, mas o modelo escolar não. O colégio tem que passar a pensar as
habilidades que este jovem pode desenvolver — diz Maria Thereza Marcilio,
gestora da ONG Avante, direcionada a direitos educacionais.
Apesar dos vários problemas apontados, a solução parece ter um ponto
inicial comum: um novo modelo educacional. Em termos práticos, os autores da
pesquisa veem na construção da Base Nacional Comum (BNC) uma matriz sobre o
essencial a ser aprendido, uma oportunidade para que a escola deixe de ser alvo
de críticas.
— A BNC, que começou a ser construída pelo MEC, é uma grande
oportunidade para reduzir a desconexão entre o que é ensinado nas escolas e as
habilidades realmente essenciais para os jovens. Como ela deve ser parte dos
currículos de todas as escolas do país, se essa base tiver grande qualidade e
definir os conhecimentos e habilidades essenciais que todos devem aprender, ela
pode ajudar o Brasil a avançar bastante — afirma Camila Pereira.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/pesquisa-revela-insatisfacao-com-excesso-de-teoria-falta-de-pratica-do-atual-modelo-de-ensino-16445918#ixzz3d8qHjJxN
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