Das 160 melhores escolas de 1º ao
5º ano, 45% atendem famílias com nível socioeconômico alto; no grupo dos mais
pobres, porém, há quem já tenha superado até as metas previstas para 2030
Paulo
Saldaña (07 Junho
2015 | 03h 00)
As
escolas do 1.º ao 5.º ano do ensino fundamental da rede estadual paulista têm
registrado melhora nos indicadores de qualidade com o passar dos anos, mas a
desigualdade social ainda é notável. Das 160 melhores escolas com nota a partir
de 6 no ranking estadual, 45% atendem alunos de famílias com nível
socioeconômico mais alto. E só 20% acolhem os mais pobres. Ou seja, o nível e a
condição da família têm muita influência no sucesso da escola,
independentemente de outras características da unidade, como local ou
estrutura.
Mas há
exceções. O Estado visitou três escolas que atendem alunos que
estão entre os 25% com nível socioeconômico mais baixo e conseguem alcançar
bons indicadores de qualidade. Nelas se destacam comprometimento de professores
e a liderança de diretores, além do uso dos materiais oficiais, como o
currículo, e o acompanhamento.
As
escolas já superaram até a meta que o Estado estabeleceu para daqui a 15 anos:
Índice de Desenvolvimento da Educação de São Paulo (Idesp) de pelo menos 7 nos
anos iniciais e 6 nos anos finais. A rede é a maior do País – são quase 4
milhões de alunos em 5,3 mil escolas.
Com
auxílio do economista Ernesto Martins Faria, coordenador de Projetos da
Fundação Lemann, a reportagem cruzou o Idesp e o Indicador de Nível
Socioeconômico (Inse) de cada escola. Das 1.520 do ciclo 1 (1.º ao 5.º ano) no
Estado, 600 escolas (39%) não conseguiram Idesp maior do que 4 – de uma escala
até 10. Desse grupo com os piores resultados, 53% atendem alunos entre os mais
pobres – o que aponta, mais uma vez, que trabalhar com alunos de nível
socioeconômico mais baixo configura um maior desafio.
Mas essa
tendência entre nível socioeconômico mais alto e boa qualidade da escola fica
clara entre as unidades dos anos iniciais, mas vai desaparecendo nos anos
finais (6.º ao 9.º ano). E mais ainda no ensino médio. Nos anos finais, 96,7%
das escolas tinham em 2013 o Idesp até 4. No médio, eram 99,3%.
Para
Faria, “os problemas após os anos iniciais são evidenciados pesquisa após
pesquisa”. “O que indicam, entre outros, desafios de gestão de sala de aula,
uma melhor estrutura de acompanhamento e formação continuada.” Os dados
ilustram ainda que, nessas duas etapas, até as escolas que atendem estudantes
com níveis socioeconômicos mais alto têm dificuldade de se destacar. “Têm de
fazer uma compensação daquilo que não existe no ambiente familiar”, diz Ricardo
Falzetta, do Todos Pela Educação.
Exemplos. O secretário estadual da
Educação, Herman Voorwald, ressalta que a inclusão em uma grande rede é
complexa e a solução passa pela escola integral – modelo que deve inspirar uma
mudança no ensino médio, como revelou o Estado em reportagem
publicada na edição do último sábado. “Meu sonho é garantir a universalização
do modelo. Além disso, as competências socioemocionais devem fazer parte da
estrutura e matriz curricular. As pessoas perceberam que a violência na escola
vem da incapacidade de entender o outro, trabalhar em equipe.”
Exemplos. 'Não temos do que reclamar'
O
geógrafo e pedagogo Hércules Pedroso de Almeida, de 64 anos, não demora a
exibir, no início da conversa com a reportagem, um cartaz com um gráfico que
mostra a evolução da Escola Estadual Visconde de Taunay no Idesp - 7,11. Também
separa os cadernos com os mapas de sondagem, que são os acompanhamentos
individuais dos alunos. "Os resultados são um orgulho para a gente,
estamos de olhos nisso desde o primeiro dia de aula", diz Almeida, diretor
da unidade desde 2007 e com 42 anos de magistério da rede estadual.
Além do
acompanhamento dos resultados e da evolução dos alunos, Almeida conta que segue
o currículo do Estado "de ponta a ponta". "Aplicamos à
risca."
A escola,
no bairro do Limão, zona norte, tem 423 alunos e é a única da rede na cidade de
São Paulo a conseguir se colocar no topo dos indicadores de qualidade mesmo
atendendo alunos mais pobres. O Ideb, indicador federal de qualidade, também
acompanha a subida. "Temos uma boa interação com as famílias, isso faz a
diferença", diz Almeida.
A escola
completou no ano passado 65 anos de existência, quando recebeu, enfim, a
cobertura da quadra de esportes. A unidade tem um amplo terreno. Além de
abrigar 12 salas, é repleta de áreas verdes, bananeiras, hortas plantadas pelos
alunos e muito lugar para brincar. "Aqui não temos do que reclamar, nunca
faltou nada. Até água nós temos", diz o diretor.
A direção
gere a escola com pulso forte, que se vê também no silêncio da unidade e na
limpeza do ambiente. A vice-diretora, Marcia Okuma, de 46 anos, ainda destaca o
trabalho em equipe: metade dos 20 professores da escola estão há mais de dez
anos na unidade. "O que mais adoro aqui é o compromisso dos professores,
são todos parceiros. E acaba melhorando a relação com a sociedade", diz
ela, há seis anos na função. / P. S.
'Amor e limites' são o segredo
Uma
conversa comum entre os alunos do 9.º ano da Escola Estadual Professor
Sebastião Francisco Ferraz de Arruda é a decepção por precisar sair da escola
ao chegar ao ensino médio. Ali, só há os dois ciclos do ensino fundamental. O
colégio no Bairro 2000, periferia de Itápolis, a 360 km da capital, nem sequer
tem quadra própria e usa um espaço municipal na frente da unidade.
"O
segredo aqui são os professores, eles te dão muita atenção. Eu sinto que eles
vão até o fim por nós", diz a estudante Daniela Eliza de Souza, de 14
anos, do fundamental.
Muitos
dos alunos do Sebastião passam os nove anos do fundamental por ali, o que cria
uma identificação com a escola e com a equipe.
Mesmo
atendendo alunos com nível socioeconômico baixo, a escola conseguiu obter Idesp
de 7,36 em 2013 no primeiro ciclo e passou para 7,46 no ano passado - ante uma
média estadual de 4,76. No segundo ciclo, o Idesp da escola passou de 5,18 em
2013 para 5,42 em 2014, mais do que o dobro da média estadual.
O
estudante Gilmar Vieira da Silva Junior, de 14 anos, é um dos que estudam na
unidade desde o 1.º ano. O gosto pela leitura - está para finalizar toda a
série Harry Porter - e pelo desenho acabou ficando em segundo plano no ano
passado, por causa de problemas que enfrentou, com companhias que ele se
arrepende de ter seguido.
"Um
professor me pagou um curso de desenho e agora também estou fazendo
informática. Sinto muita sorte de estar aqui", diz. "Quero conseguir
um futuro melhor, fazer faculdade", diz o adolescente.
A
diretora Maria Cecilia Bispo Varjão Soares, a Cica, de 63 anos, diz que o garoto
foi uma das "reconquistas" da escola - uma parte da realidade sobre a
qual a escola pública não pode fugir. "O nosso lema aqui é amor e limites.
E ouvir o depoimento como o do Gilmar é o que nos move a continuar nessa
carreira", diz.
Professor oferece até aula extra
Há 16
anos como vice-diretora da Escola Manoel Silveira Bueno, na cidade de
Borborema, a educadora Rita Neide Duarte, de 60 anos, tem uma responsabilidade:
é ela quem vai às casas dos alunos que começam a não frequentar as aulas.
"A escola vai até a família, que tem de se dar conta da importância disso
tudo." Rita conta que muitos alunos às vezes trabalham, outros estão com
problemas com a família ou se desinteressam pela escola. "Não importa se é
de noite, de dia. A gente pressiona e eles voltam."
Um prédio
de 1953 abriga os 761 alunos dos ciclos 1 e 2 do ensino fundamental do colégio,
a 390 km da capital. Depois de ficar com Idesp 7,38 em 2013, a escola teve um
pequeno avanço: 7,86 no primeiro ciclo. No ciclo 2, o indicador passou de 4,86
para 5,26, mesmo trabalhando com alunos de nível socioeconômico mais baixo.
"Os
índices têm motivado nossos alunos", conta o professor Reinaldo Batista de
Oliveira, de 52 anos, há dez na mesma escola. Em parceria com outro professor,
montou por conta própria um projeto de recuperação ligada às aulas de
Matemática e à sala de leitura fora do turno de aula para alunos com
dificuldades. "Conseguimos colocar nossos alunos nas escolas
técnicas", diz ele.
A Manoel
Silveira já conseguiu quatro medalhas na Olimpíada Brasileira de Matemática das
Escolas Públicas, além de uma menção honrosa. "As pessoas na cidade gostam
da escola, reconhecem a gente como os professores da Manoel", diz a
professora Marciana Lofrano, de 38 anos, há dez na unidade, onde também
estudou.
A diretora
Silvia Margarete Pierobon, de 50 anos, mora em uma cidade a 130 km de
Borborema, mas durante a semana fica em uma casa alugada porque não quis deixar
a unidade. "Foi minha opção mesmo, porque me identifiquei."
_____________________
Nenhum comentário:
Postar um comentário