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quarta-feira, agosto 31, 2016

ENTRE O EXCESSO DE OUVIR E A INSUFICIÊNCIA DA ESCUTA

Na sociedade contemporânea, falamos em demasia, uma vez que há informações em abundância e o acesso a tantos e tão diferentes assuntos é muito rápido. No entanto, essa época é marcada por um vazio de sentidos, época em que temos a impressão de que quem fala não diz, quem ouve não escuta e a comunicação se diminui a uma ação mecânica em que não ocorrem trocas efetivas de significados.
A comunicação é um aspecto essencial para nossa constituição de sujeitos, pois somos constituídos pelas relações humanas e a interação com o outro é condição necessária para a linguagem. Compreendemos relações humanas como estabelecimento e/ou manutenção de contatos entre seres humanos e que acontece em diferentes redes sociais.
Dentre as redes sociais, a instituição escolar é fundamental, pois é um espaço que propicia interações, inserção social e constitui a criança moderna, oferecendo-lhe identidade e atribuindo-lhe o lugar social (KUPFER, 2013), porém a instituição escolar também é marcada por essa comunicação mecânica da contemporaneidade e por isso precisa atentar-se às relações, comunicações e discursos que prevalecem em seu contexto. Dessa forma, consideramos importante refletirmos sobre um aspecto complexo da comunicação, a escuta. Não qualquer escuta, mas uma escuta sensível, atenta, singular e significativa que possibilite interpretações e mobilização de outros sentidos. Para isso é importante diferenciarmos ouvir e escutar. Ouvir está relacionado ao orgânico, à percepção dos sons, enquanto escutar é algo maior, é a arte de sentir, interpretar e tentar entender o que se ouviu, ou seja, escutar vai além da capacidade auditiva.
 O diálogo, que ocorre através da fala e escuta, é a forma comumente utilizada para as relações sociais, porém para o diálogo acontecer entre duas pessoas é necessário a habilidade da escuta, caso contrário não teremos um diálogo e sim um monólogo. Conseguir escutar o outro, valorizar o que ele tem a dizer, permitir que me atinja de forma com que a nossa interação produza aprendizado para ambos, é uma complexa tarefa do nosso cotidiano e, consequentemente, do ambiente escolar.
O educador Paulo Freire (1996) deixa evidente em sua obra a importância do educador escutar. Tal ação significa dar abertura à fala do outro, aos gestos do outro, às diferenças do outro. Essa abertura deve ser permanente por parte do sujeito que escuta, no entanto, isso não quer dizer que o sujeito concorde ou que se reduza aos desejos do outro, isso seria anulação. A verdadeira escuta não diminui em nada a capacidade de exercer o direito de discordar, de opor-se e de posicionar-se. Pelo contrário, é a partir dela que o sujeito se prepara melhor para expressar-se.
O propósito educativo está implicado em uma relação, logo, a habilidade da escuta é essencial, pois é base de qualquer relação. Acreditamos que o educador, ao escutar seu aluno, aprenda a falar com ele e abra oportunidades para o desenvolvimento, pois o educador pode deslocar as palavras dos alunos para lugares muito significativos e propiciar uma melhora da escuta do próprio educando, que auxiliará no avançar de suas questões da trajetória escolar e também fora dela.
Contudo, para que isso ocorra, o educador precisa “mover-se” do lugar de professor autoridade e investir na produção de sentidos e elaboração do saber, uma tarefa que requer reflexão árdua, a fim de interpretar os ditos e não-ditos, em razão de que a linguagem não é transparente, ou seja, seus efeitos são múltiplos, há modificações contínuas nos sentidos das palavras, os equívocos, os deslocamentos de sentido, os lapsos de língua e de memória, os chistes, os atos falhos, as lacunas, os erros, os tropeços, entre outros, nos revelam a opacidade das palavras e dos sentidos.
 Mestranda-Merielen Cunha
Profa Dra.Elaine Assolini
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