Diálogo, comprometimento, construção conjunta de uma nova carreira docente, planejamento de ações. Esses são alguns dos principais mantras que o novo secretário de Educação paulista, o engenheiro mecânico e ex-reitor da Unesp, Herman Voorwald, reafirma na entrevista a seguir, concedida ao editor Rubem Barros.
Em suas falas, Voorwald, que também foi vice-reitor da Unesp e desempenhou função ligada à área de Planejamento e Orçamento da mesma universidade, sinaliza uma correção de rumos em relação a algumas das políticas implementadas por seus antecessores, em especial os secretários Paulo Renato de Souza e Maria Helena Guimarães de Castro. Entre elas, a política de bônus e o exame dos professores como elementos diferenciais da carreira e da remuneração docentes, que renega. E enuncia metas ambiciosas: fazer da carreira docente uma das dez mais atraentes em dez anos e colocar o sistema educacional paulista entre os 25 melhores do mundo até 2030.
Quando indicado ao cargo, o senhor prometeu rever o plano de carreira dos professores da rede estadual paulista. Como está esse processo? Depois de dois meses e pouco de secretaria, consolida-se minha fala do início da gestão, em que eu expressava meu sentimento sobre salários inadequados, carreira inexistente ou sem reconhecimento do mérito e de falta de diálogo da secretaria com a rede. Organizamos visitas semanais de trabalho aos polos. Dos 15 polos nos quais estão divididas as escolas e as diretorias regionais, já nos reunimos com seis. Até meados de abril deverei ter trabalhado com todos. As reuniões estão sendo bem organizadas. Os professores das escolas das diretorias daquele polo se reúnem, formalizam um documento, elegem alguém que fará a apresentação no dia da reunião de trabalho. Os diretores, servidores, os PCOPs, os supervisores fazem o mesmo. Todas as categorias documentam e apresentam a uma plenária suas questões e as discutimos. É uma construção coletiva de uma política pública de educação de qualidade. Não concebo fazer gestão acadêmica sem ouvir as pessoas que estão efetivamente fazendo a gestão. São as pessoas que fazem o processo da educação. Na gestão escolar ou na sala de aula. Esse é o objetivo número 1: construir uma proposta. Na carreira e no salário, a proposta está sendo consolidada. Já apresentei ao governador uma política salarial e na semana que vem estarei conversando com os secretários da Fazenda e do Planejamento. Pretendo apresentar uma proposta para a rede no final deste mês.
Que envolve carreira e salário? Numa primeira instância, envolve salário. E por quê? Não consigo conceber uma carreira feita de cima para baixo, sem que se discuta com professores, diretores, supervisores. Isso faz parte do processo. Então apresentarei uma proposta de salário e um início de uma proposta de carreira, que será trabalhada pela rede.
Que podemos esperar em termos de direcionamento? Com a proposta e com a discussão da carreira, que será construída em conjunto, vamos iniciar um processo no Estado de São Paulo, que espero venha a ser nacional: o de tornar a carreira do magistério uma das dez mais procuradas pelos jovens do país em dez anos. Prevemos ações de curto, médio e longo prazo. Claro que meu período aqui é pequeno, mas quero deixar em andamento. As ações de curto prazo estão bem definidas: a reorganização do ensino fundamental de nove anos, a reorganização do ensino médio, duas questões-chave na área pedagógica; a atualização de dois currículos importantes, que são o "Ler e Escrever" e o "São Paulo faz escola"; estamos trabalhando com a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) numa nova política de manutenção e construção de escolas, em que qualidade e prazo sejam fundamentais. As escolas já receberam um documento chamado "Por uma educação de qualidade", com 16 páginas, com grande riqueza pedagógica, contando um pouco da história da educação, da progressão continuada, o seu porquê, e colocando essa discussão para a rede. No documento, apresento uma proposta da secretaria, em que introduzimos um ciclo a mais, com os nove anos sendo divididos em três ciclos de três, dois e quatro anos.
Isso tem sido bem aceito? Tenho ouvido nas reuniões de trabalho propostas de mais um ciclo, ou seja, a divisão ficaria em ciclos de três anos, dois, dois e dois. Faremos isso em conjunto. Eles é que estão fazendo o ensino na ponta, então é importante que se manifestem, mas fundamentalmente estamos discutindo a questão da recuperação logo após a percepção de que o conteúdo não foi absorvido. O objetivo é fazer com que os jovens e os servidores que estão na rede entendam que a carreira do magistério é importante, que se valorizem os professores e que se reconstrua a importância do servidor do magistério como elemento fundamental na questão do ensino e aprendizagem.
Uma reclamação recorrente de seus antecessores é a dificuldade de levar adiante a reforma da carreira em função da obstrução dos sindicatos. Como o senhor vê essa questão? Na primeira semana de secretaria, eu e o secretário-adjunto, professor Palma, nos reunimos com os seis sindicatos e deixamos claro que a nossa história na universidade pública nos coloca numa outra postura de gestão. Fui reitor da Unesp, onde fiz minha carreira, e sempre prevaleceu o diálogo, a construção coletiva, visão acadêmica forte, controle de gestão. Quero trazer isso para a rede. O diálogo é fundamental na educação. Nessas reuniões de trabalho, estou ouvindo os professores, diretores, servidores, que estão falando sobre as questões que os afligem em relação a termos no Estado de São Paulo uma educação pública de qualidade nos ensinos fundamental e médio. Já temos isso nas três universidades públicas, mas não entendo o fato de não termos no fundamental e no médio. Há questões a serem resolvidas. A universalização trouxe questões para as quais o país não estava preparado. Estamos fazendo em 40 anos o que a França levou 100 anos para fazer. Temos de trabalhar rápido, de qualificar professores para lecionar para crianças com necessidades especiais, libras, tem de ter um professor mediador que resolva alguns conflitos iniciais, salas especiais, a merenda... Estamos trabalhando, a secretaria e o país como um todo, para dar condições de, com a universalização, ter qualidade. Já resolvemos a quantidade, temos de resolver a qualidade. O objetivo desta administração é iniciar esse processo, e isso passa pelo diálogo com a rede.
Qual a sua opinião sobre a remuneração por desempenho? A carreira acadêmica é uma carreira de mérito. Nós, professores, somos avaliados diariamente, pelos alunos, por nossos pares, pela família, pela sociedade. Os meninos nos veem como exemplo nesse processo cotidiano de avaliação. Na universidade, isso se dá na forma da carreira, em que você evolui através do seu esforço. É possível, ao ir se qualificando, galgar posições e ter salários melhores. A carreira acadêmica tem de privilegiar o comprometimento para com a atividade- fim e permitir que avancem aqueles que quiserem, tiverem compromisso e se esforçarem. Não acredito em nada que não venha de trabalho e esforço. Isso feito, a carreira tem de permitir que haja uma evolução.
E a prova de mérito instituída para avaliar a qualidade em São Paulo? Não concordo. Não é uma única prova que irá dizer se o professor está comprometido com sua atividade; é um equívoco. Essa prova permite um aumento salarial de 25% para até 20% daqueles que foram aprovados. Também não concordo. Você tem um contingente que tira a nota mínima e só 20% têm a possibilidade de ter os 25%. Isso não é carreira. Essa prova pode ser um item em um conjunto que analise o comprometimento. Uma prova única não pode avaliar o mérito. A carreira que vamos construir indicará outras questões tão importantes quanto a prova.
E o bônus? O bônus é uma avaliação de sistema que reflete no salário do professor. Também não concordo. A avaliação do sistema nem sempre significa que houve comprometimento, desempenho e envolvimento do professor na melhoria da formação do aluno. Uma coisa é avaliar sistema, outra é haver uma carreira que dependa do esforço e do trabalho das pessoas, e que elas, por meio disso, possam evoluir. Isso é carreira. Outra é avaliar o sistema através de uma prova. Transformar isso em salário não é política salarial. É preciso ter uma política salarial, que pode até ter o bônus e a prova de mérito, desde que essas questões não sejam as únicas que promovam melhora salarial, que é o que acontece hoje.
O senhor anunciou a introdução de uma nova prova padronizada logo depois de assumir, com o intuito de melhorar o desempenho dos alunos no meio do ano. Está convencido de sua utilidade? Hoje, temos um número enorme de avaliações que, em última instância, significam salário - como o Saresp. As avaliações de sistema teriam de indicar interferências para melhorar o processo, dizer se o "Ler e Escrever" está indo bem, por exemplo. O que estamos propondo, que está em discussão na rede no documento "Por uma educação de qualidade", é que para que haja, no conceito de ciclos, o aprendizado do estudante, se detecte imediatamente que ele não aconteceu e permitia a recuperação logo na sequência. Se o estudante não se recuperar naquele ciclo, vai levar uma deficiência adiante. A proposta em discussão na rede é que a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (Cenp) prepare um banco de itens para que o professor aplique e avalie o aluno a cada dois meses. Uma vez o aluno avaliado e identificada a necessidade de recuperação, isso é feito de imediato. Umas das propostas é que seja no contraturno, mas há problemas, por causa do transporte. Outra opção é paralisar as aulas uma semana para a recuperação. Aqueles que não precisam da recuperação permaneceriam na escola com outras atividades - esportivas, culturais, etc. Isso está em discussão.
Mas não é uma avaliação concebida pelo professor... É elaborada pela Cenp. Para facilitar, criamos um banco de itens e o professor escolhe. A ideia é que o banco de itens reflita aquilo que o aluno deve aprender. O professor busca no banco, faz avaliação, corrige e indica quem precisa de avaliação.
Qual sua visão sobre a questão do currículo? Nessas reuniões de trabalho, o fato de existir um currículo foi elogiado em todas, sem exceção. O fato de se ter um material que permita que um aluno saia de uma escola para outra, e não fique sem estudar determinado conteúdo, isso acabou. Os professores, os diretores, os supervisores, todos, sem exceção, elogiaram o fato de haver um currículo único. Solicitaram que haja a revisão do currículo a cada dois anos, o que já estamos fazendo. Hoje, Cingapura não tem mais currículo. Muitos anos atrás, estava na condição que estamos hoje, e tinha um currículo também. Então, as experiências internacionais mostram que estamos na fase em que deveríamos estar. Devemos ter um currículo único. À medida que evoluirmos em alguns aspectos como na qualidade dos professores, da sua formação, isso pode acontecer. Esse é um problema sério no país hoje. As universidades não estão formando professores licenciados para serem professores. Esse é um trabalho que estamos fazendo com as universidades aqui em São Paulo. Os licenciados que estamos formando não estão preparados para estar na sala de aula. É uma crítica que faço como ex-reitor de uma universidade pública.
As universidades públicas são acusadas de dar uma formação distante do chão de sala de aula, pouco prática. O problema é esse ou é que formam pouca gente?
As coisas não são excludentes, caminham no mesmo sentido. Temos hoje a universidade formando licenciados, mas o grande pedido é de criar o bacharelado. Percebe-se que o aluno não quer a carreira de licenciatura, quer o bacharelado para depois fazer o mestrado, doutorado, seguir a carreira acadêmica. Há também o desinteresse pelas licenciaturas, pois o magistério não é uma carreira atrativa. E muitos alunos procuram as universidades privadas, a educação a distância, para, por meio de concurso público, ingressar na rede. A preocupação com relação à formação dos professores fez com que, na gestão anterior, se criasse a Escola de Formação, que é fundamental. Ela tem de ser um braço de qualificação do nosso servidor, qualquer que seja ele, administrativo ou docente. Esse é o papel da escola de formação, e ela está trabalhando nesse sentido.
Está trabalhando a contento? Não está fazendo muita formação a distância? É muito nova, foi criada em 2010. Está fazendo presencial também, mas a rede é muito grande, estamos falando de 5 mil escolas, 5 milhões de alunos, milhares de servidores. Ela vem usando o ensino a distância, mas tem feito algumas ações presenciais também. É preciso que as universidades rediscutam a formação do licenciado, seus currículos, a necessidade de qualificarmos o professor de acordo com o currículo das escolas. E dar uma carreira atrativa, permitindo que os jovens se interessem pelo magistério. Outra coisa que também se discute nas reuniões de trabalho é a ideia de intensificar o programa de concessão de bolsas de mestrado e doutorado para os servidores da rede, permitindo que melhorem sua qualificação. Essa resolução já está pronta para ser assinada. Há outra coisa também, que fiz na Unesp, que é permitir que o servidor da rede tenha uma bolsa que lhe permita fazer um curso de graduação. Qualificar o servidor da rede é fundamental para que haja uma melhor condição de formação dos alunos.
Há algum país em que possamos nos espelhar para esse processo de valorização? Inglaterra. Quando Tony Blair assumiu, a carreira do magistério era das menos procuradas. Ele conseguiu, através de carreira e de uma política que valorizou as pessoas, que se tornasse aquilo que queremos. Tenho duas visões [cita documento então recém- encaminhado ao governador Geraldo Alckmin]: transformar a qualidade da Educação Básica de São Paulo, posicionando o estado entre os 25 melhores sistemas do mundo até 2030; e resgatar a importância da carreira do professor, posicionando-a entre as dez profissões mais desejadas e respeitadas em São Paulo. Para isso acontecer, a primeira coisa é discutir salário e criar uma carreira. Claro que 2030 será um outro governo, mas esta é a proposta. Acredito em planejamento. Quando trabalhava na Unesp, construí o PDI, que dizia o seguinte: em dez anos seremos uma das 200 melhores universidades do mundo. No primeiro ano, focamos as ações orçamentárias e financeiras, destinamos recursos para professores irem ao exterior se qualificar, para os laboratórios de pesquisa. Passamos das 500 para as 400 melhores no ranking mais rigoroso e, entre as universidades ibero-americanas, já éramos a sexta, incluindo aí Portugal e Espanha. É preciso fazer algo pensando à frente, além desse período. _________________ |
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