MAL-ESTAR DOCENTE NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Elaine Assolini
As aceleradas mudanças no contexto social, em
que exercemos o ensino, apresentam, a cada dia, novas exigências. Quando
conseguimos atendê-las, se é mesmo que temos conseguido, outras nos chegam,
quase que diariamente.
As novas demandas e exigências, entretanto,
nem sempre podem ser respondidas exclusivamente pelo sujeito-professor que, na
maioria das vezes, não consegue e não pode a elas responder, ou porque não
dispõe de recursos, ou porque não tem formação adequada, dentre outros motivos.
Uma das consequências decorrentes da
distância entre as exigências e o que, de fato, pode ser realizado pelo
sujeito-professor na escola e na sala de aula é o que alguns autores denominam
“mal-estar docente”. Trata-se de uma doença “contemporânea” e “internacional”,
segundo ESTEVE (1999, p.13).
É importante ressaltar que o fenômeno do
“mal-estar docente” tem sido analisado à luz de várias teorias e perspectivas,
a fim de que se possa buscar a sua multidimensionalidade e compreender como
algumas das inúmeras variáveis sociais atingem a escola.
Vejamos, então, rapidamente, o que dizem
alguns autores.
Para Lopes (2001), por exemplo, o “mal-estar”
pode ser analisado pelas dimensões psicológica e sociológica. Na dimensão
psicológica, as pesquisas centram-se na identificação de processos psicológicos
que configurariam o “mal-estar”; já na dimensão sociológica, o enfoque é sobre
os aspectos sócio-histórico-culturais e escolares que caracterizam o
problema.
Sobre as causas do “mal-estar”, a mesma
autora (2001) aponta três eixos principais: 1º) as que são vinculadas ao
contexto educativo, 2º) as que se relacionam à motivação pessoal e à formação
inicial; 3º) aquelas que dizem respeito ao contexto escolar.
Outro autor, que faz uma análise da relação
entre a escola e a sociedade, é Jesus (2001), afirmando que os fatores que
causam o stress entre os docentes e, consequentemente, o
“mal-estar” podem ser distinguidos em dois grupos, relacionados ao plano macro
e ao plano micro.
As causas do “mal-estar” relacionadas ao
plano macro dizem respeito a fatores sociopolíticos, como o número excessivo de
alunos nas classes, o excesso de exigências políticas colocadas sobre o
trabalho dos professores, o esquecimento das reais condições de trabalho e de
formação docente, por exemplo. No plano micro, os fatores que geram “mal-estar
docente” dizem respeito às atividades relacionadas diretamente ao local de
trabalho, nomeadamente a indisciplina dos alunos. A indisciplina é causa
principal do “mal-estar”, porque propicia a inviabilização do planejamento das
aulas, a sua efetivação, propriamente dita e a relação professor/aluno.
Esse breve e rápido panorama teórico pode ser
traduzido “na prática” por situações em que os professores se encontram
doentes, desestimulados, com a autoestima baixíssima e descrentes da sociedade
de maneira ampla. Professores competentíssimos, mas doentes, que precisam se
afastar por dias e até meses da sala de aula, ótimos educadores que deixam a
carreira e a profissão, excelentes profissionais que não se veem como sujeitos
capazes de opinar, criticar ou de construírem o seu próprio material didático,
dentre outras ilustrações que aqui poderíamos elencar.
O quadro é, de fato, triste e deplorável;
para alguns motivos de luto e de desesperança absoluta.
Entretanto, nem tudo está perdido.
Pesquisas recentes (Assolini, 2013, 2014)
mostram que situações quase perdidas podem ser retomadas quando o
sujeito-professor tem apoio do coletivo da escola, ou seja, em seus momentos de
dificuldade e fragilidade, pode contar com o gestor escolar, coordenador
pedagógico, colegas de trabalho, para que o orientem e o auxiliem na construção
de seu planejamento, para lhe darem apoio em situações tensas e conflituosas,
em que se sente só, para o incentivarem a acreditar mais em si próprio,
mostrando-lhe os recursos de que dispõe para enfrentar o dia a dia da sala de
aula.
Outras alternativas que podem contribuir para
que o “mal- estar” do sujeito-professor seja ressignificado tem a ver com
experiências artísticas e de lazer. Assim, quando o sujeito-professor pode
vivenciar experiências com a arte de maneira ampla, e, sobretudo, quando pode
experimentá-las na condição de sujeito que faz, relê, ressignifica, podemos
encontrar um caminho que pode levá-lo a se (re)pensar e a (re)significar
sentidos e vivências ainda não compreendidos e elaborados.
As pesquisas mostram, também, a necessidade
de lazer, para o sujeito-professor, o que significa dizer que ele deverá ter o
final de semana livre.
Para a grande maioria dos entrevistados,
cerca de 360 professores, estar com a família aos sábados e domingos, contribui
para o revigoramento do corpo e do espírito.
E, por fim, algo que já acontece em algumas
escolas: oportunidades para os professores “falarem de si”, expressão colocada
entre aspas porque remete aos estudos foucaultianos, a respeito do “cuidado de
si”. Poder (se) falar, (se) dizer e expressar os seus sentimentos e emoções, no
espaço escolar, ser escutado e considerado em seu dizer, é uma alternativa que
contribui para o arrefecimento do mal-estar.
A meu ver, essas alternativas, a arte, o
final de semana livre, o poder “falar de si” no âmbito escolar, são exequíveis,
mas não simples, nem singelas, pois, para que, de fato, se concretizem é
imprescindível que o sujeito-professor consiga olhar para o outro e saber-se
olhado. Perceber-se escutado e escutar o outro também.
Na sociedade contemporânea, olhar e escutar
são verbos nem sempre conjugados.
Poderíamos tentar colaborar para minimizar o
com o “mal-estar” de alguns colegas, começando a enxergá-los e a escutá-los,
verdadeiramente. Esse pode ser um bom começo, rumo a pequeninas, mas
fundamentais, transformações na escola.
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