21/01/2011 - 07h01
Disputa por poder é a engrenagem da relação aluno-escola
Por Glenda Almeida
Da Agência USP
As reformas pretendidas para a Educação devem tomar muito cuidado com a visão simplista de que o aluno é o culpado de tudo. Segundo o sociólogo Marcel Engelberg, são as experiências do cotidiano escolar que produzem o conceito de aluno. E uma vez que as experiências são sempre diferentes para cada estudante e para cada escola, a concepção do que é ser aluno não pode ser vista como algo estático, já pronto. “Esse tipo de olhar prejudica as possíveis reformas, que tem se limitado à ótica do professor e da coordenação, baseada na perigosa dicotomia ‘aluno comportado e aluno bagunceiro’”, ressalta.
A pesquisa de mestrado do sociólogo, cujo título é "A invenção cotidiana do aluno: relações de poder, experiências escolares e possibilidades de existência", foi baseada nas ideias do filósofo Michel Foucault sobre o conceito de “relações de poder”. Para Foucault, uma relação de poder é construída a partir das possibilidades de reação, de negociação e de disputa pelo exercício de poder sobre os outros.
O que Engelberg fez por meio de sua pesquisa foi aplicar esse conceito à questão da Educação, considerando que nas relações escolares, ou seja, nas cenas do cotidiano, o aluno é produzido e é capaz de produzir efeitos também lutando, reagindo e interferindo nas ações, decisões e situações escolares.
Disputa em sala
“Um mesmo aluno pode ser muito dedicado em uma aula e extremamente indisciplinado em outra”, afirma Engelberg, que defendeu seu mestrado em outubro de 2010, na Faculdade de Educação (FE) da USP. Segundo o pesquisador, isso acontece porque a escola não é a detentora de poder sobre o aluno, e nem o professor, como muitos ainda pensam.
“O que existe é uma disputa, em que, na relação dinâmica aluno-escola, esse “poder” se torna reversível, ou seja, está em exercício e não em detenção ou posse de alguns perante os outros. Assim, alguns professores conseguem exercer melhor certo poder sobre o aluno, com uma mistura de respeito, condução da ação e obtenção de certos efeitos”, explica o sociólogo. ”Uma vez que alunos e professores estão em constante disputa pelo exercício de poder, o resultado são alunos ora disciplinados, ora não, dependendo de cada aula, professor ou relação estabelecida com a escola”.
Dessa forma, as relações e disputas desenvolvidas no cotidiano escolar devem ser sempre consideradas com atenção pelas instituições de ensino, segundo Marcel. “Há uma variabilidade muito grande de cenas cotidianas, de relações aluno-professor, aluno-aluno, aluno-direção. Todas as cenas funcionam como exemplo de jogos e relações de poder, e exigem da escola uma postura e uma metodologia que leve em consideração um olhar múltiplo, procurando enxergar o aluno sem ser somente pelos ‘documentos oficiais’, ou seja, pelas notas das provas, ou advertências, por exemplo”, conclui o autor em sua pesquisa.
De acordo com Engelberg, o aluno que se comporta sempre com indisciplina pode, por exemplo, estar se valendo do rótulo de “aluno indisciplinado” para conquistar seu espaço na escola, fazendo com que os professores passem a agir com ele com bastante cautela. Assim, o sociólogo exemplifica como os estudantes podem jogar com os rótulos, perseguindo seus interesses, assim como a pórpria escola também joga, buscando os seus.
O aluno é uma invenção
O diferencial deste estudo, orientado pela professora Hanna Cecilia Mate, está na busca por mergulhar nas cenas escolares, e tentar perceber as disputas e as dificuldades dos alunos, pela ótica dos próprios alunos. “Não fui procurar a desgraça do ensino público, ou o que a escola sempre faz de errado. Fui colocar o foco no aluno, sem querer julgar questões sobre o conteúdo específico que é ensinado em sala de aula, ou se o conteúdo está ou não adequado.”
Para o sociólogo, portanto, o ser que ocupa o rótulo de aluno possui características e atitudes não tão definidas como se imagina, sendo fruto de inúmeras possibilidades e experiências que estão a todo momento em construção. “Ser aluno é uma invenção, uma produção muito subjetiva e variável, que depende sempre da análise dos próprios alunos sobre suas experiências”, constata.
O pesquisador diz ainda que as experiências diferentes, vividas por diferentes estudantes, de diferentes escolas, podem, inclusive, diferenciar os alunos quanto as instituições das quais fazem parte. “Um aluno de escola particular vive experiências muito diferentes de um estudante de escola pública. Essas experiências distintas formulam “rótulos” diferentes, que diferenciam um aluno de outro de maneira muito particular e relativa”, acrescenta.
A pesquisa foi realizada em uma escola pública, estadual, localizada em um bairro da região central da cidade de São Paulo. O sociólogo escolheu uma instituição não periférica, sem destaque na mídia, justamente porque o foco do estudo era observar os alunos em relação com a escola, e não os problemas da escola em si. Os estudantes foram observados, nos diversos espaços e momentos do cotidiano escolar, ao longo do período compreendido entre os anos de 2007 e 2010, enquanto cursavam o ensino médio.
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