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Arte de ensinar
Há hoje nos EUA um grande debate sobre a capacidade profissional dos professores. Na maior parte dos casos, segundo Diane Ravitch, tal capacidade é avaliada a partir dos resultados obtidos pelos alunos em testes padronizados aplicados pelos estados e pela união. Dentro desse quadro, bons professores são aqueles que obtem maiores índices de aprovação de seus alunos.
Julgamentos sobre desempenho docente a partir de resultados de testes dos estudantes tem como matriz uma visão mecanicista do que é ensinar. Discussões sobre isso, pelo menos no contexto da educação no pais do Norte, são muito importantes. Voltarei ao assunto oportunamente, apresentado principalmente as considerações da grande historiadora da educação Diane Ravitch.
No momento, quero destacar comentário que Mike Rose, professor da UCLA, fez em seu blog recentemente. Para benefício de quem não se sente muito confortável diante de um texto no bárbaro idioma da Matriz, fiz uma tradução ligeira do escrito do Mike. Seguem aqui as observações dele:
Wednesday, May 12, 2010Outro dia, meu colega Bruce Scrogin, leitor voraz, me mandou um artigo publicado no The New York Times Magazine pelo psiquiatra Daniel Carlat, “Mind Over Meds.” (4/25/10) Dr. Carlat lamenta a separação contemporânea no campo da saúde mental entre a abordagem farmacológica e a abordagem terapêutica [dialogal e baseada na conversa entre terapeuta e paciente]. A observação não é nova, mas o artigo contém diversas gemas, como esta citação do pioneiro psicofarmacologista Leon Eisenberg, “…na primeira metade do século XX, a psiquiatria americana era virtualmente ‘sem cérebro, . . . Na segunda metade do século XX, a psiquiatria tornou-se virtualmente ‘sem mente’” .O trecho que me chamou atenção – e que é relevante para as preocupações deste blog – foi este:
“Assim como a maioria dos psiquiatras americanos, prescrevo remédios, e indico um profissional de nível mais baixo na hierarquia da saúde mental, como um assistente social ou um psicólogo, para assumir a terapia. A implicação tácita disso é a de que a terapia é um trabalho subalterno – enfadonho e mal pago.”
A elevação do técnico e a diminuição do humano e relacional, como observam muitos analistas sociais, é uma característica de nosso tempo. Ao ler Dr. Carlat, percebi o quanto essa diminuição do humano e do relacional se aplica aos professores e ao ofício de ensinar.Certamente seu comentário sobre status e remuneração se aplica no caso: na medida em que percorremos a cadeia administrativa e de comando, o trabalho educacional se torna mais burocrático e bem recompensado do ponto de vista financeiro. Mas eu estou interessado em outro aspecto do comentário do Dr. Carlat: o foco do técnico no ensino com crescente ausência de menções sobre valores, paixão ou toque artístico.Este aspecto técnico foi ampliado e institucionalizado em nosso tempo pelo NCLB [No Child Left Behind]. Os professores foram reduzidos a um mecanismo de entrega de conhecimentos que prepara os alunos para os importantes testes promovidos pelo estado [referência a testes americanos parecidos com o nosso ENEM]. O “Race to the Top” da administração Obama não é muito diferente. Professores “efetivos” são elogiados; porém, a efetividade é definida pelas notas que os alunos obtêm nos testes padronizados.Outra manifestação dessa orientação técnica é o crescente foco nas técnicas de ensino e, de modo parecido, nas melhores práticas. Defendo destaque para boas técnicas – dos gestos às maneiras de propor questões – e acredito que algumas práticas pedagógicas (maneiras particulares de abordar erros gramaticais dos alunos na escrita, por exemplo) são, no geral, melhor que outras. Ensinar envolve um conjunto de técnica, habilidade, truques do ofício; das mesma maneira, boa formação docente e desenvolvimento profissional incluem uma dose considerável de tal conhecimento [técnico].Mas, bom ensino envolve valores, conexão emocional, sistemas de crenças, domínio de uma arte, instinto nascido da experiência. É claro que estou ciente de que esses fatores são mais difíceis de medir que, digamos, a freqüência de certos tipos de questões, mas a inexistência de uma métrica fácil para medi-los não diminui a importância que eles têm.Esse assunto me chamou atenção recentemente a partir um artigo publicado no New York Times Magazine, outro presente de Gotham [provável menção a Gotham City, a Nova York mítica das aventuras de Batman] que me foi enviado por um de meus alunos, Shirin Vossougi. (meus alunos e amigos me mantêm atualizado). O artigo “Building a Better Teacher” (March 7, 2010) é obra da repórter de educação Elizabeth Green. É uma boa adição à atual onda de artigos e comentários que não são hostis aos professores e que tentam ficar próximos do ofício docente. Mas o que trouxe desconforto para Shirin e depois para mim é o foco exclusivo em dois aspectos da docência: nas técnicas que alguns dizem funcionar independentemente de contexto, e no conteúdo de conhecimento e disciplinas, matemática, ciência, literatura. O artigo está organizado de tal maneira que os dois focos são tratados como entidades separadas, e pouca coisa mais é acrescentada sobre o ofício de ensinar.No final do artigo, Greene sabiamente nos leva ao óbvio próximo passo, e caminha para uma combinação das duas abordagens. Mas ela não menciona que muitas pessoas antes deste momento, de Dewey ao psicólogo Lee Shulman, deram contribuições preciosas sobre tal mistura. Por causa disso, com exceção de dois parágrafos sobre Escola Normal e primeiras escolas de educação [de formação de professores], há uma pobreza histórica e cultural na discussão do ofício de ensinar. Fica-se com a impressão de que ensinar é estritamente uma busca técnica. Não são mencionados outros fatores que contribuem para o bom ensino, dos sistemas de valor ao amor pela matéria. Não há no texto qualquer reflexão a respeito da longa e rica discussão sobre o ensino que, no caso do Ocidente, começa com PlatãoNão estou colocando a culpa desse tratamento estreito na senhorita Greene, pois ela apenas refle as atuais conversas sobre o assunto – embora eu desejasse que a autora fosse mais crítica. É uma pena que tenhamos chegado a um ponto em que reformadores da escola e formuladores de políticas entendem a emergência de melhores professores de modo tão mecânico. Este é nosso novo senso comum sobre ensinar e aprender.
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Fonte: http://jarbas.wordpress.com/2010/06/04/arte-de-ensinar/
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