Ensino
'Enem dos professores' deve dar poucos frutos à educação
4 de junho de 2010
Por Nathalia Goulart
(Foto: Getty Images)
A partir de 2011, o Ministério da Educação (MEC) aplicará anualmente o Exame Nacional de Ingresso na Carreira de Docente, que avaliará conhecimentos, competências e habilidades de professores interessados em trabalhar na rede pública de ensino fundamental. A prova já ganhou o apelido de "Enem dos professores", uma referência ao Exame Nacional do Ensino Médio, que mede o desempenho dos estudantes atualmente. Seu objetivo expresso é, em tese, escolher entre candidatos os melhores profissionais, promovendo assim o aprimoramento da educação no país.
VEJA.com conversou com docentes de importantes centros de formação de professores e especialistas em educação para avaliar o impacto do exame na qualidade do ensino. Eles afirmam que a medida anunciada pelo governo federal na semana passada é bem-vinda, mas deverá trazer poucos frutos para o sistema educacional brasileiro.
"É sempre bom dispor de mecanismos acurados de avaliação. Mas o problema da educação brasileira não é falta de avaliação", afirma Gustavo Ioschpe, economista e especialista na área. "Até acho que a educação brasileira é uma das mais bem avaliadas do mundo e dispõe de muitos instrumentos para isso", opina (leia entrevista com Ioschpe). Somente o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) aplica sete tipos de avaliação a alunos e docentes da educação básica e superior. "O problema é que os resultados dessas avaliações não se traduzem na mudança de políticas públicas", diz Ioschpe.
Remi Castioni, da Universidade de Brasília (UnB), também aposta que a prova terá pouco impacto na educação. "Exames não bastam. É preciso inverter a lógica e investir na formação de professores." Maria Márcia Malavasi, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concorda. "O que resolveria nosso problema é acompanhar as faculdades, exigir mais qualidade delas e dar condições para o estudante buscar uma boa formação como professor", acredita.
Quando sabatinadas, por sua vez, as universidades podem produzir resultados decepcionantes, como mostram dados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). Em 2008, na avaliação da carreira de pedagogia, 234 instituições (quase 20% do número total) apresentaram desempenho insuficiente, obtendo nota 1 ou 2. Somente 32 cursos (ou 2,7%) alcançaram nota máxima, igual a 5.
Para Cristina Carvalho, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o novo exame tratá ao menos um sinal positivo: o sinal de alerta. "Em seguida, precisaremos saber o que fazer com os resultados da prova. Para obtermos melhores resultados, será preciso induzir as mudanças necessárias", justifica.
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Entrevista: Gustavo Ioschpe
Sobram exames, falta política educacional, avalia especialista
4 de junho de 2010
Por Nathalia Goulart
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Há avaliações demais e políticas de educação de menos no Brasil. A opinião é do economista e especialista em educação Gustavo Ioschpe. Ele afirma que o Exame Nacional de Ingresso na Carreira de Docente, anunciado na semana passada pelo governo federal, não deverá alterar a realidade do ensino no país. Para promover melhorias no setor sem a necessidade de criação de mais um mecanismo de avaliação, o especialista recomenda uma receita curiosa: "Feijão com arroz", ou seja, a adoção de medidas básicas. "Elas provocam impactos significativos no aprendizado", garante. Confira a seguir a entrevista que Ioschpe concedeu a VEJA.com.
Como o senhor julga a iniciativa do Ministério de Educação de instituir um exame para selecionar professores?Vejo a medida como positiva. É sempre bom dispor de mecanismos acurados de avaliação. Mas o problema da educação brasileira não é a falta de avaliação. Até acho que ela é uma das mais bem avaliadas do mundo e dispõe de muitos instrumentos para isso. As provas aqui são bem realizadas, temos uma competência e uma sofisticação grande na elaboração de provas. O problema é que os resultados dessas avaliações não se traduzem na mudança de políticas públicas e em práticas de sala de aula, o que faz com que não haja melhora efetiva.
Quais as fragilidades desse novo exame?Uma delas é que a prova é opcional. Fica a cargo dos estados e municípios decidir aplicá-la ou não, o que por si só já é um fator limitador. Mais delicado, porém, é o fato de que, da maneira que foi criada, não mexe na formação dos professores. Imagino que, se aqueles que aplicarem a prova forem muito exigentes, um grande número de professores não conseguirá atingir o patamar desejado. Em algum momento, será necessário reduzir o grau de exigência e assim nada tende a mudar.
Qual seria a saída?Se essa fosse uma prova aplicada ao fim do curso de graduação, exigindo-se também uma performance mínima do candidato para a obtenção do diploma, teríamos impactos mais relevantes, porque os cursos de formação seriam obrigados a se modificar. Do jeito que as coisas foram colocadas pelo governo, provavelmente os cursos de formação vão continuar a funcionar da mesma maneira. O exame é um passo positivo, mas será mais um mecanismo a acender a luz vermelha, mostrando que os professores não estão tão bem preparados.
É possível identificar, por meio de uma prova, um bom professor?Nenhuma prova é 100% eficaz, mas é um instrumento positivo. Até hoje, a literatura científica sobre educação ainda não identificou as variáveis que compõem um bom professor. Ainda não conseguimos identificar e isolar de uma maneira quantitativamente rigorosa do que é feito um bom professor. Conhecemos algumas variáveis relevantes, como conhecimento da matéria, formação, práticas de sala de aula: algumas delas são perceptíveis em uma prova, outras, não.
O senhor costuma afirmar que países que deram saltos educacionais o fizeram porque adotaram medidas básicas de aprimoramento, que o senhor chama de "feijão com arroz". Como deve ser preparada a receita brasileira?
Devemos formar bons professores, formar melhor os gestores das escolas e adotar práticas de sala aula cuja eficiência seja comprovada. O que são essas práticas? Usar mais o livro didático e o dever de casa, parar de inventar currículo, parar de fazer com que cada professor seja um pesquisador e invente a própria roda, fazer com que o tempo da sala de aula seja aproveitado de maneira mais eficiente e não usá-lo apenas para colocar matéria no quadro negro, avaliar mais constantemente o desempenho dos alunos, manter bibliotecas nas escolas e nas salas de aula. São medidas básicas, que provocam impacto significativo no aprendizado.
Devemos formar bons professores, formar melhor os gestores das escolas e adotar práticas de sala aula cuja eficiência seja comprovada. O que são essas práticas? Usar mais o livro didático e o dever de casa, parar de inventar currículo, parar de fazer com que cada professor seja um pesquisador e invente a própria roda, fazer com que o tempo da sala de aula seja aproveitado de maneira mais eficiente e não usá-lo apenas para colocar matéria no quadro negro, avaliar mais constantemente o desempenho dos alunos, manter bibliotecas nas escolas e nas salas de aula. São medidas básicas, que provocam impacto significativo no aprendizado.
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Ensino
'Enem dos professores' deveria avaliar conhecimento e didática
4 de junho de 2010
Por Nathalia Goulart
Com o intuito de tornar o Exame Nacional de Ingresso na Carreira de Docente mais completo, o Ministério da Educação (MEC) abriu uma consulta pública para que a sociedade sugira competências que deverão ser cobradas dos candidatos a professor. Por meio da consulta, especialistas, universidades, estados e municípios podem contribuir, dizendo o que, afinal, um educador deve saber para exercer a profissão.
Especialistas ouvidos por VEJA.com destacam que, para ser eficiente, o exame precisará avaliar de maneira abrangente o conteúdo que os professores devem conhecer para ministrar as aulas. "Afinal, como um professor pode ensinar um conteúdo que não domina?", questiona Cristina Carvalho, da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Para cada ano escolar, deve ser solicitado uma gama diferente de assuntos. "A prova deve cobrar conhecimentos específicos da área em que o professor vai atuar", destaca Maria Márcia Malavasi, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Nesse quesito, o exame poderá apontar a formação deficitária de muitos docentes. Além da baixa qualidade de cursos de graduação, o conhecimento adquirido no ensino fundamental também deixa a desejar. Segundo Cristina, é possível notar que muitos estudantes chegam ao curso de pedagogia sem dominar, por exemplo, noções básicas da matemática. "O problema não começa na faculdade de pedagogia, mas no ensino fundamental", acredita.
Didática - Os especialistas avaliam também que o "Enem dos professores" tem um problema conceitual. Feito a partir de um único exame escrito, ele dificilmente poderá analisar se o professor tem habilidades para transmitir o conhecimento que demonstra possuir. Ainda que seja possível elaborar questões que simulem situações de sala de aula, isso não garante que o candidato possui boa didática.
"Apenas o exame escrito não cobre o universo da didática. É importante avaliar o conteúdo, mas é preciso também medir se o docente tem habilidades para lidar com aquela faixa etária de alunos com que pretende trabalhar", diz Maria Márcia, da Unicamp. "O ideal seria avaliar esses dois quesitos separadamente."
Uma alternativa para contornar esse problema seria obrigar os candidatos a realizar uma aula-prova, ou seja, analisar seu trabalho em prática no ambinente de ensino. Mas essa parece ser uma hipótese pouco prática, dada a extensa rede escolar brasileira.
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