Com a rápida evolução das novas tecnologias, a comunicação tem se tornado cada vez mais popular e o acesso à informação mais simples. Porém, isso não significa que os receptores já estejam dominando a novidade. Assim, a relação comunicação e educação é atualmente um dos principais focos de atenção dentro das instituições de ensino. É sob essa perspectiva que a educomunicação tem ganhado força.
Ismar de Oliveira Soares diz que é ao mesmo tempo jornalista, professor e educomunicador. Com pós-doutorado em comunicação e educação pela Marquette University Milaukee Wisconsin, é professor da Escola de Comunicações da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Núcleo de Comunicação e Educação da instituição, além de ocupar a vice-presidência do World Council for Media Education, com sede em Madri, Espanha.
Principal responsável pela criação do novíssimo curso de licenciatura em Educomunicação da USP, que estreia em 2011, muitos estudiosos apontam Ismar como o primeiro a usar o termo no Brasil. O professor explica que o conceito da área passou por mudanças, e aponta cuidados que as universidades devem ter para não utilizá-lo de "forma inadequada".
Bastante otimista ao falar do futuro da educomunicação, Ismar de Oliveira também afirma que a busca pelo profissional com formação nesse campo cresce cada vez mais no mercado e que as instituições de ensino particular têm um papel importante a desempenhar no processo, que vai além do preenchimento de vagas. Leia abaixo a entrevista concedida à revista Ensino Superior:
Ensino Superior - Como se define o conceito de educomunicação?
Em primeiro lugar, é importante entender que ao longo dos anos houve uma mudança no conceito. Até o início da década de 1990 a Unesco identificava a educomunicação como todo trabalho de educar para a mídia e formar um receptor crítico. Atualmente, ela significa apoderar-se dos recursos tecnológicos e praticar a comunicação a partir de uma igualdade de condições pelas quais comunidades se envolvem para construir espaços democráticos, participativos. Uma realidade na qual a comunicação é utilizada para exercer a cidadania com uma intenção educativa, mas também se preocupando com o mercado. Em outras palavras, a educomunicação desenvolve e implementa meios comunicativos em espaços educativos regidos por uma gestão democrática.
Ensino Superior - Ela é uma profissão do século 21? Qual o perfil do seu profissional?
Sem dúvida. Há 20 anos o educomunicador era considerado alguém que realizava uma ação voluntária, um bom comunicador interessado na comunidade. Porém, com a mudança de conceito e os trabalhos que foram sendo desenvolvidos na área, o profissional da educomunicação passou a ser reconhecido. É alguém que domina as tecnologias de informação, mas que empresta a elas todo um sentido social, participativo, com uma fundamentação humanista forte. Posso citar como exemplo a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, que tem normas publicadas para o desenvolvimento da educomunicação nas escolas públicas. São professores que se convertem em educomunicadores, ou seja, temos aí uma ação profissional.
Ensino Superior - Muitos entendem o educomunicador antes como um professor que utiliza as mídias para as práticas pedagógicas. O senhor concorda?
O educomunicador não é necessariamente um professor. É claro que um docente pode ser um educomunicador, mas tanto quanto um jornalista ou um publicitário podem ser também. Não basta apenas usar a mídia em sala de aula, isso não significa uma ação educomunicativa. Tal ação só existe quando um espaço comunicativo é criado e os alunos compartilham a produção do conhecimento. O professor educomunicador, no ambiente escolar, dá autonomia, permite que o aluno seja protagonista.
Ensino Superior - Como usar a comunicação, segundo a educomunicação, dentro de uma instituição de ensino superior?
Em qualquer instituição de ensino superior, quando se fala em comunicação, a assessoria de imprensa e os profissionais do marketing logo vêm à mente. Já uma equipe de educomunicação, no caso, auxilia a alta direção da organização a repensar suas relações com o próprio meio. É como uma assessoria especializada. Essa assessoria pode fazer uso dos instrumentos de relações públicas, publicidade e jornalismo, porém antes vai realizar um planejamento para mostrar como uma instituição pode ser orgânica. O mercado e o capital continuam sendo elementos importantes, mas que constituem, sobretudo, um espaço de diálogo e produção de cultura.
Ensino Superior - O educomunicador também é um gestor?
Ele é gestor por natureza. O conceito de gestão é inerente ao conceito de educomunicação. A educomunicação se divide em várias áreas de intervenção. O educomunicador planeja ações em um sistema para que a prática da educomunicação tenha sentido. Entre suas funções, esse profissional precisa sempre saber formar e orientar equipes, produzir avaliações, prever necessidades de tecnologia e sustentabilidade nos projetos em que está envolvido.
Ensino Superior - As instituições de ensino superior no Brasil já estão preparadas para atender esse novo mercado?
As universidades têm condições, mas hoje não estão preparadas. Sem dúvida há uma mobilização. Existem muitos cursos de especialização, surgiu também uma graduação de bacharelado na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). O maior risco é utilizar o conceito de educomunicação de uma forma inadequada. No momento, o sistema educacional e o ensino superior em geral ao pensar em educomunicação pensam em TICs e tecnologia educativa, o que não é correto. É preciso também ter o cuidado para que o tema não seja usado somente dentro de uma visão mercadológica, sem a responsabilidade social inerente a essa prática. Essa é uma das grandes preocupações do novo curso da USP. Formar pessoas para atender a demanda nas universidades, e em condições de criar bons cursos nas universidades que assim desejarem.
Ensino Superior - Como será esse curso de licenciatura em educomunicação da USP?
Será um curso noturno, de 2.800 horas, oferecido pela Escola de Comunicações e Artes. As disciplinas pedagógicas serão cursadas na Faculdade de Educação. A primeira turma inicia as aulas em 2011. As disciplinas serão divididas em três áreas de formação: básica, específica e pedagógica. Na primeira, vamos discutir as teorias da educação, comunicação e o futuro da profissão. No campo das específicas, as aulas vão discutir leituras de mídia, gestão dos processos de comunicação, uso das tecnologias nos espaços educativos e planejamento e avaliação de processos. Já as disciplinas pedagógicas serão cursadas na Faculdade de Educação, para aproximar os alunos da prática docente. Além disso, eles terão de realizar 400 horas de trabalho em organizações, para aperfeiçoar a profissão.
Ensino Superior - A abertura do curso serve para suprir uma demanda de professores no próprio curso da universidade? Qual o mercado para os professores que se especializam nessa área?
O mercado inicial está voltado para a educação formal, pois existe uma carência de professores de comunicação. Com a LDB, as escolas passaram a ter uma autonomia para criar disciplinas. No entanto, a norma solicita que as instituições reservem 25% da carga horária para a área de comunicação, que deveria ser dividida entre as disciplinas de línguas e de mídias. Só que as escolas não têm adotado a prática de professores voltados para mídia porque não existe esse profissional. O nosso primeiro objetivo então é atender à demanda do ensino médio para introduzir a comunicação como está na lei. Mas temos também um atendimento imediato ao terceiro setor. As organizações não governamentais estão cada vez mais ampliando o campo de formação em trabalhos voltados para criança e mídia. E há ainda espaço nos canais de televisão e rádios educativas, além dos canais segmentados, que serão exigidos com a digitalização da televisão.
Ensino Superior - O educomunicador pode atuar em empresas ou está restrito às instituições de ensino?
A educomunicação está engatinhando nas empresas, mas acredito que onde existem grupos humanos pode-se pensar nela. Uma empresa preocupada em dialogar com seu entorno pode patrocinar ações de organizações que apliquem a educomunicação. É o caso da Petrobras, da Vale. E é possível o educomunicador trabalhar também dentro da empresa. A educomunicação advoga maior liberdade de expressão e as empresas podem admitir que isso aconteça em algumas áreas. Na verdade, muitas já estão se abrindo neste novo campo que cada vez mais cresce, chamado responsabilidade social. É a partir daí que as organizações começam a olhar para os seus empregados e percebem que é preciso mudar as relações.
Ensino Superior - Existe uma demanda crescente para esse tipo de profissional?
Ela é visível em termos de solicitação. Aponto exemplos: atualmente, o Ministério do Meio Ambiente tem um grande problema para que a população tenha acesso a informações. Por isso, a pasta criou o Programa de Educomunicação Socioambiental, que promove a produção de programas e campanhas educativas socioambientais, e está contratando pessoas especializadas para geri-lo. Já no Ministério da Educação há uma discussão sobre a reforma do ensino médio, e uma das propostas é aumentar o ensino em um ano, para que se desenvolvam práticas educomunicativas. Ou seja, vamos precisar de especialistas para essa faixa. E o terceiro setor também está se desenvolvendo. Então, não há dúvidas de que estamos diante de um crescimento.
Ensino Superior - Qual pode ser o papel das instituições particulares no desenvolvimento desse novo campo?
Acredito que o Brasil necessita neste momento de um investimento na formação de educomunicadores. As grandes mantenedoras deveriam estar discutindo mais esse tema. Em 1999 foi realizado um encontro em São Paulo, chamado Mídia e Educação. Uma das conclusões foi a de que as universidades que tivessem bons cursos de pedagogia e comunicação deveriam começar a pensar na formação do educomunicador. E as mantenedoras estavam presentes. Penso que chegou o momento novamente de elas refletirem o que significa entrar nesse novo nicho. Assim como as instituições particulares podem servir para atender a uma demanda na formação de novos profissionais, elas podem definir, em conjunto com o ministério e com as universidades públicas que já estão pesquisando o assunto, parâmetros sobre como avançar nesse campo de forma adequada.
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