A reinauguração de Brasília
Cristovam Buarque
Professor da Universidade de Brasília e senador pelo PDT-DF
Brasília chega a meio século, construída fisicamente e demolida moralmente. Com a imagem física de seus prédios orgulhando o país e sua imagem política desmoralizada em todo o Brasil. Parte disso é resultado do comportamento do Congresso, do Executivo, do Judiciário federal sediados em Brasília. Uma parte, porém, é responsabilidade nossa: de eleitos e eleitores brasilienses, uns mais outros menos. Por isso, deve partir de nós, brasilienses, fazermos a nossa parte.
O resto do Brasil pode aproveitar a chance de, neste 2010, enviar para cá melhores deputados, senadores e um governo que não sejam coniventes com a corrupção. Nós, brasilienses, não temos outra escolha: a eleição de 2010 é nossa chance e obrigação para fazermos nossa parte e reinaugurarmos Brasília. Além de comemorarmos o 21 de abril deste ano — o dia de nosso cinquentenário — comemorarmos também o início de nossa reinauguração ética nas eleições de outubro.
A reinauguração da Brasília ética deve buscar duas linhas de ação: a ética no comportamento de nossos políticos — e de nossas instituições políticas — e a ética nas prioridades das nossas políticas públicas.
A reinauguração no comportamento deve levar Brasília a eleger dirigentes que se comprometam a implantar medidas e instrumentos que impeçam a corrupção. Não se trata apenas de escolher pessoas honestas, mas de construir estruturas que impossibilitem a corrupção. É preciso retomar o Orçamento Participativo; criar um Conselho Legislativo composto voluntariamente por personalidades respeitadas; uma Comissão Cidadã que zele pela transparência nos gastos. Com isso, deve-se acabar toda promiscuidade do governo com empresários e deputados, além do fisiologismo com eleitores.
A reinauguração nas prioridades deve levar o próximo governo a quebrar a mais grave de todas as corrupções: a brutal e vergonhosa desigualdade na qualidade dos serviços públicos, uma parte com padrões superiores à média do Primeiro Mundo e outra com padrões próximos à miséria.
Isso requer uma revolução na saúde pública, substituindo as atuais preferências por obras, por investimentos diretamente na saúde do povo. O segundo ponto será retomar a revolução na educação, com o compromisso de garantir direitos aos professores, mas, sobretudo, exigir deles dedicação e formação, implantando-se o horário integral dentro da própria escola. A eliminação do analfabetismo deve ser uma meta clara do novo governo. A imagem nacional de Brasília começará a mudar no dia em que, na frente do aeroporto e nos pontos de acesso rodoviário ao DF, houver cartazes com os dizeres: ‘‘Você está entrando em um território livre do analfabetismo’’. Um terceiro, é a preferência pelo transporte público, no lugar de privilegiar o transporte privado. Quarto: compromisso radical com o meio ambiente. Quinto, o compromisso com a manutenção da legalidade, assegurando políticas de incentivo à construção de moradias, mas sem o fisiologismo de escolher quem vai merecer esses serviços e exigindo de cada beneficiário uma contrapartida dentro dos limites de suas possibilidades. Sexto, a reinauguração nas prioridades vai exigir retorno à ideia de fazer Brasília ser maior do que a capital do Brasil, mostrar uma cidade onde se produz, emprega-se, cria-se e se distribui renda, e onde a política e o setor público sejam apenas pequena parte de nossas atividades.
Feitas essas duas reinaugurações, na ética do comportamento dos políticos e na ética das prioridades das políticas e gastos públicos, Brasília estará fazendo também a reinauguração de sua imagem no seio do povo brasileiro. Este passará a ver nossa cidade não apenas como o conjunto de bonitos prédios que orgulham o país, mas, também, como um sistema social, legal, político, que se comporta como deveria ser em todo o Brasil. Da cidade hoje ridicularizada no imaginário brasileiro, para uma cidade exemplar, capaz de receber a admiração e o orgulho do povo brasileiro. Como já fomos em alguns momentos: ao respeitar a faixa de pedestre, ao criar o bolsa escola, etc.
Apesar das dificuldades, tudo indica que essas reinaugurações são viáveis. Hoje, Brasília tem um enorme orçamento anual, garantido pelo Fundo Constitucional, tem infraestrutura social e urbana avançada e sobretudo uma população ansiosa para recuperar a imagem de pioneiros, construtores, desbravadores. O povo certamente quer reinaugurar sua cidade. Falta saber se os líderes políticos querem mudar a cidade ou apenas os nomes dos dirigentes ou talvez nem mesmo os nomes deles.
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